O traço puro de um esquiço, totalmente liberto de rigidez sobre a alvura óssea de uma folha ou tela, constitui o ponto de partida que mormente oculto, nos revela o somatório de sucessivas camadas que transfiguram, moldam, constroem e instrumentalizam as paixões expressivas de Helder Sanhudo. Conduzido pelo rigor exato das linhas arquitetónicas nas quais faz carreira, criou a sua própria fusão pessoal destas, num desabrochar plástico de profunda emotividade, de onde brotou esta exposição. A história que assoma de cada elemento explosivo de cor e espaço, remete-nos para essa aliança que só por si poderia ser o bastante, mas vai muito mais longe. As figuras transportam-nos para espaços concêntricos, que num imediato se tornam amplos, quase infinitos, pela harmonia das tonalidades, dos movimentos que ganham vida, empurrando-nos para um fulcro preciso de uma singular imagem difusa que parece captar-nos o olhar e prendê-lo em si. Torna-se fácil esquecermo-nos que aquilo que vemos são somente composições em tela, papel e tinta, pois sentimo-nos rodeados pelos sons da cadência de um bater de asas, do restolho rodopiante de um vestido, ou até mesmo do debater de dor quase sacrílega, das figuras que aqui e ali, prostradas em martírio silencioso, explodem num leque ondulante de liberdade. Serão anjos, Cristos, pequenas infantas, querubins travessos aquilo que aqui vemos, ou os reflexos que nos escapam no espelho? Estes quadros carregam mais que o seu peso em imagem, são a perfeita sinestesia de diferentes dimensões, que vagueiam das linhas sólidas de uma perspectiva arquitetónica até ao devaneio cru que só um profundo empenho e dedicação pode revelar em tão empolgantes visões. No fundo demonstram que cada traço pode conter num só invólucro o que é terreno e o que é espiritual, tornando-os visíveis há alma humana.